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2020-2021-2022

De onde eu vim…

Quem fala aqui é a Emilie, aquela que nos últimos 12 anos se dedica a se tornar contadora de histórias e assim, contribuir pra que as pessoas escutem e contem as histórias que moram nelas e ao redor delas.


Até 2016, o ano do meu último trabalho com "carteira assinada", a Sementeira era só um CNPJ que eu usava para emitir as notas fiscais dos meus trabalhos como contadora de histórias. Eu sabia que eu queria ser e fazer muito mais pra cuidar das histórias, mas eu não sabia o quê nem como. Fui estudando, curiando aqui e ali. Em 2017 inventei uma oficina que chamei "A arte de contar histórias na vida de todo dia" e saí por aí oferecendo. Eu queria dizer pras pessoas o quanto eu tinha aprendido convivendo com as histórias!


Quando chegou 2020 eu já tava enxergando caminhos. O ano começou com a promessa de ser especial: no equinócio de outono do dia 20 de março a Sementeira iria nascer pro mundo como um negócio social. Janeiro e fevereiro foram dedicados à produção dessa festa: procurar o lugar, alguém pra filmar, alguém pra fotografar, fazer os convites, preparar as histórias.


No dia 16, mesmo com dúvidas, decidi cancelar. No dia 18, tudo parou. O resto da história, literalmente, todo mundo conhece: pandemia.


Nos últimos três anos, a morte esteve muito presente, mas aprendi com as histórias que falar de morte é também falar de vida.


Além do vírus, o fogo queimou a Amazônia, o Pantanal… e mesmo quem tava longe do fogo, não conseguiu fugir da fumaça. George Floyd foi morto dizendo "Eu não consigo respirar". A respiração é vital e em muitas histórias, o criador assopra na boca das suas criaturas e é assim que elas ganham vida. Dizem que esse sopro é a alma.


A minha sensação é que muitos segredos foram revelados nesses três anos. Na política, na economia, na educação, na saúde, nas famílias, em cada um de nós, o próprio Estado apareceu nu como o rei da história, estava nu em seu desejo de aniquilação da vida.


Quando segredos assim são revelados, isso eu aprendi com as histórias também, mesmo que tudo pareça igual, tudo muda profundamente. Existem segredos que não podem ser ignorados.


Escrevo hoje, dia 16 de dezembro de 2022 e depois de quase três anos fugindo, ele finalmente chegou na minha casa. Estamos todes bem graças às vacinas e àlguma sorte e, essa visita, me parece anunciar um novo ciclo. Assim espero.


Nesses três últimos anos tão desafiadores aprendi a perceber quando e como as sementes do futuro me visitam no presente. Tudo que tenho feito nesse tempo está, de alguma maneira, nutrindo sementes de possibilidades em mim, para mim - no mundo, para o mundo.


Vivo numa cidade bem pequena, longe de família e amigos eu fiquei, literalmente, dentro de casa nos dois primeiros anos. Em 2022, mesmo saindo um pouco mais, passo a grande maioria dos meus dias em casa. Misturado a tudo que compõem meu cotidiano que envolve cuidar das crianças (3 e 6 anos - minha pequena tinha seis meses quando tudo fechou), da comida, da casa, dos bichos, de mim, nesses três anos, basicamente eu me dediquei a:


1- encontrar caminhos práticos pra deixar de contribuir com um mundo que não serve pra maioria de nós. perceber a minha parte no fortalecimento de um mundo injusto, desigual, onde existem vidas que valem mais do que outras.


2 - deixar morrer a parte de mim que, muitas vezes por medo, não confia na potência do que faz e do que tem pra oferecer. deixar morrer a parte de mim que acredita, por algum motivo, que pra mim algumas coisas não são permitidas.


Eu acho que estou conseguindo…


Por que existe a Sementeira?

A Sementeira é uma iniciativa social que cria e oferece espaços intencionais de encontro ao redor das histórias orais. Esses encontros podem ter a forma de experiências artísticas, de percursos de aprendizagem ou uma mistura dos dois. São programas e cursos, mentorias individuais e coletivas, palestras e espetáculos de contos, vídeos e artigos: tudo que fazemos existe pra (re)conectar pessoas e histórias.


A ideia é que cada um de nós possa se reencontrar e se reencantar com as suas próprias histórias, com as histórias de outras pessoas e culturas diferentes das nossas e com a história dessa casa que chamamos Terra.


A nossa sociedade é orientada por uma cultura de separação como narrativa dominante nas relações sociais com efeitos também econômicos, culturais, ambientais e espirituais. Vivemos alheios da gente mesma, das outras pessoas e da natureza.


O problema que a Sementeira quer ajudar a resolver é o silenciamento, o apagamento e a desvalorização das histórias pessoais e culturais, especialmente, de grupos específicos da nossa sociedade. A gente existe pra apoiar pessoas, grupos e comunidades no processo de recuperar a autoria de suas vidas e contar suas próprias histórias.


Isso pode parecer uma tarefa simplesmente ligada à melhorar a comunicação, mas é muito mais do que isso. Viver separado da própria história faz a vida ainda mais difícil de ser vivida e a gente sabe que são muito graves os problemas causados por essa desconexão: falta de agência sobre a própria vida, falta de perspectiva sobre o futuro, apatia, baixo auto-apreço, preconceitos, medo e violência generalizados.


O que a gente realizou nesses três anos:

Por enquanto, a Sementeira mesmo ainda sou só eu mesma, a Emilie. Tocando esse barquinho aqui de casa, com um computador quebrado e no meio de duas crianças, gato e cachorro : ) mas, eu digo nós porque muita gente me ajuda de muitos modos diferentes: desde me escutar reclamar do cansaço, até fazer a produção do evento. de ficar com as meninas pra eu ir contar histórias em algum lugar, até me ensinar o que é OKR. são muitas pessoas mesmo, por isso eu agradeço.


Segue uma lisitinha de algumas das coisas que a gente se orgulha muito de ter feito nesses três anos:


  • criamos 7 cursos on-line: Histórias Digitais em parceira com a Biblioteca Digital do Estado de São Paulo; Contar histórias - Semear Mundos (foram 3 turmas realizadas em parceria com "A Casa Tombada" e 1 turma pela Sementeira ), Oficina Mapas para contar histórias (2 turmas em parceria com o Instituo Abrapalavra e 2 pela Sementeira); o Percurso Samaúma para contar histórias de vida, Mulheres de Mundos para brasileiras que vivem fora do Brasil, o Laboratório de Práticas Narrativas em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação dos SESC-SP e Contar histórias como Prática Transformadora que teve uma turma em 2022 em parceria com A Casa Tombada e que em 2023 vai ganhar uma versão auto-dirigida.

  • criamos a lindeza que é o site da Sementeira

  • realizamos duas edições da Noite dos Vaga-lumes, nossa festa de fim de ano

  • participamos de encontros on-line com Conversa de Quintal, Museu da República, Sense Lab, AceNovation Índia, Casa Merlina, Entre Nós, Boca do Céu, ECOH, Casa Tombada, Universidade Estadual de Feira de Santana, Settle Stories UK e outros.

  • estreamos o projeto Escuto Histórias no Instagram com mais de 40 lives, 3 narradores convidades e mais de 90 narradores espontâneos.

  • em 2021 nasceu a Comunidade Sementeira, um grupo formado por pessoas que passaram por nossos cursos e que escolhem permanecer em contato. nos últimos dois anos realizamos 18 encontros pra conversar sobre histórias e a arte de contá-las em diferentes contextos.

  • realizamos o primeiro Ciclo Palavras Mágicas on-line e com convidades muito invríveis.

  • contribui com textos para 3 publicações (livro Narração Artística: modos de fazer do Instituto Abrapalavra, livro Inventário Vermelho e Mundo Manifesto da Revolução Artesanal)

  • lançamos o projeto do Banco de Histórias-Sementes

  • lançamos a campanha de apoio recorrente da Sementeira pelo Apoia-se

  • fomos contempladas com 4 editais: PROAC Lab para Eventos on-line 2020, PROAC para Vídeo Aulas 2021, Proac Vale do Futuro 2021 e PROAC de criação teatral que vai permitir a estreia em 2023 do espetáculo A Casa de Luzia inspirado na obra da maior contadora de histórias do mundo, a paraibana Luzia Teresa dos Santos

  • fomos um dos projeto premiados concurso Coletivo Natural, da Natural One

  • o Mapa para Contar Histórias se transformou num programa de acompanhamento on-line com aulas gravadas e encontros ao vivo

  • tivemos quase 200 pessoas em nossos cursos, sendo que quase metade pôde participar gratuitamente pelo programa de bolsas da Sementeira ou por financiamento dos nossos parceiros.


Pra onde vou...

Termino essa carta com muitos desejos de que nesse fim de calendário esteja sendo tranquilo e amoroso por aí e, como agradecimento, compartilho uma história que, sem querer, se tornou a história da Sementeira.


O grupo de pessoas que a gente chama de Comunidade Sementeira, costuma se encontrar uma vez por mês. Em um desses encontros eu contei essa história mais ou menos assim:


Era uma vez um homem que era daquele tipo bem inquieto que chamamos de buscador.

um dia, seguindo o desejo de seu coração de compreender os caminhos do universo, ele fez uma promessa. ele decidiu que ia continuar viajando eaté encontrar a sabedoria. Ele viajou por toda parte, ponderando sobre os caminhos para alcançar a iluminação e pôr fim no sofrimento do mundo.

Em sua viagem, ele conversou com muitas pessoas, viu muitas paisagens e cidades e de tempos em tempos, parava em um templo, uma sinagoga, um terreiro, uma mesquita, um mosteiro, uma escola espiritual, onde aprendeu muito com as mestras e mestres desses lugares que lhe falaram apaixonadamente dos caminhos para alcançar as maravilhosas alturas do espírito. Mas, apesar de aprender muitas coisas nestes lugares, no final do dia ele sempre sentiu o peso de sua própria existência.

Um dia, enquanto caminhava por uma larga estrada, ele notou ao seu lado uma pequena trilha que ele decidiu seguir. A trilha terminava num lago e al lado havia uma pequena cabana de madeira, do lado de fora havia uma placa dizendo: "Aqui você pode encontrar TUDO o que seu coração deseja".

O homem não pensou duas vezes, entrou na cabana e lá conheceu uma velha mulher de cabelos longos, brancos e olhos brilhantes.

"É verdade", perguntou o homem, "posso realmente encontrar neste lugar TUDO o que eu desejo?"

"É claro", disse a mulher com o sorriso gentil, "TUDO! Então, o que posso oferecer para o senhor hoje"?

Percebendo que a mulher era séria em suas palavras, o homem não hesitou por um segundo. Ele tinha a lista completa em sua mente durante anos e respondeu imediatamente: "eu quero conhecimento e compreensão absolutos. quero paz de espírito e uma alma tranquila. quero ser capaz de compreender e ser compreendido pelas pessoas, não importa de que origem elas venham. quero saber quando ouvir e qual é a coisa certa a dizer em cada momento. quero ser capaz de amar a mim mesmo e amar os outros. quero que todos parem de destruir aa natureza e que as pessoas parem com o egoísmo. eu não quero mais guerras e....". "Desculpe-me senhor", a mulher interrompeu seu fluxo, "acho que temos um pequeno mal-entendido... o que você está me pedindo são os frutos, mas aqui, neste lugar, só podemos lhe oferecer as sementes".


Quando terminei a história, a Cláudia, uma pessoa muito querida falou:


“Emilie, acho que a Sementeira é esse lugar que a gente vai pra encontrar as sementes daquilo que o nosso coração deseja.”


Eu fiquei emocionada e gostei muito dessa ideia. Desde então, conto essa história pra falar dessa inicitaiva que quer oferecer e espalhar as sementes de vida e de possibilidades que são as histórias. Bora, que 2023 tá aí.


PS - muito muito muito obrigada a todes que fizeram nossos curso, mentorias, vieram nas lives, assinam nossas cartas mensais, que comentam nosso trabalho nas redes sociais e tudo mais. mas um muito obrigada, em especial, aos apoiadores da Sementeira que contribuem mensalmente pra que as nossas raízes fiquem cada vez mais fortes e fundas. você são incríveis! obrigada 🌱💚

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