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Por que criar um banco de histórias-sementes?

As histórias e as sementes vêm nos mantendo vivas desde o começo dos tempos e, se a gente prestar atenção, vai ver que elas têm muitas coisas em comum. Elas guardam escondidas dentro de si a força da vida, elas têm grande poder de transformação, ambas vêm em muitas formas, tamanhos e cores e as melhores até hoje são guardadas como tesouros preciosos e são passadas de geração em geração. As histórias e as sementes nos ajudam a nos conectar com nossos ancestrais, com nossas raízes e origens. Elas crescem nos lugares mais improváveis, superam condições desafiadoras e rompem as superfícies mais duras, podem ficar adormecidas por muito tempo até que alguma coisa ao redor delas acontece e elas despertam. Nós não podemos viver sem elas e o modo como a gente as usa e as guarda vai determinar o nosso futuro.


Por isso, do mesmo jeito que a gente pre-ci-sa cuidar das sementes, a gente também pre-ci-sa cuidar das histórias.


Os processos capitalistas-colonizadores são, ao mesmo tempo, processos de monoculturalização. Isso quer dizer que a monocultura não se dá só na agricultura, naqueles imensos desertos verdes de soja ou de trigo. Ela se dá também na dimensão sociocultural, que a maravilhosa Vandana Shiva chamou de monoculturas da mente.


A diversidade de modos de viver e pensar, a diversidade cultural, a diversidade étnica, de gênero e orientação sexual e até mesmo a diversidade dentro da gente é oprimida e roubada cotidianamente pela imposição de um modo capitalista de existir que coloca o lucro de alguns acima da vida de muitos, humanos e não-humanos e, inclusive, da própria Terra.


Só pra gente ter uma ideia:

  • só no século 20 perdemos 97% das nossas variedades de sementes. um exemplo é o repolho que das 158 variedades que conhecíamos só sobraram 28.

  • pesquisadores afirmam que até o fim do século mais da metade das quase 7.000 línguas faladas no mundo atualmente serão extintas e, depois que a última pessoa que sabe falar aquela língua morre, essa língua nunca mais poderá ser recuperada, igualzinho acontece com qualquer espécie de bicho ou de semente. Quando uma língua morre um mundo inteiro morre com ela. Desaparecem pra sempre modos de pensar, de ensinar, de construir, de curar, de plantar, de amar…

  • as sementes ancestrais dão lugar às transgênicas que são propriedade privada de empresas transnacionais e só crescem destruindo o sol porque precisam que se coloque cada vez mais “aditivos”, que é como eles chamam o veneno.

  • crianças crescem com vergonha de falar suas línguas maternas e o inglês as vai devorando cada vez mais.

  • as cidades ao redor do mundo vão ficando cada vez mais parecidas com seus Mcdonalds e Starbucks.

  • todo o mundo se veste igual, fala igual, come igual, consome igual e a monocultura vira a norma.

O processo de manipulação em que uma empresa rouba uma semente ancestral de uma determinada cultura ao redor do mundo, altera essa semente geneticamente, patentea e a vende de volta à essa mesma cultura obrigando essas comunidades a comprar não só as sementes transgênicas. mas também os venenos necessários pra que elas brotem, esse mesmo processo também acontece com as histórias.


Vê só o que o professor de Estudos Nativos Nigaan James Sinclair diz na entrevista para o documentário "Biologia das Histórias", sobre o tratamento que ele percebe que se dà às histórias. Ele diz mais ou menos assim


As histórias são muito parecidas com uma mina, há algo na maneira como tratamos as histórias que é muito parecida com a maneira como tratamos os povos indígenas. Histórias são coisas a serem roubadas, a serem exploradas, a terem extraídas de si a sua menor quantidade de bem de valor e isso se torna a melhor coisa. Explora-se isso, criam-se teorias sobre isso, criam-se insituições em universidades sobre isso, mas ainda assim se esquece de tudo o que foi feito e considerado para fazer aquele pequeno pedaço existir. Aquele pequeno pedaço é na verdade como uma teia de aranha: tudo o que realmente se pode pegar é um fio, um pequeno pedaço. Essa é a minha experiência com a maior parte do tratamento que se dá as histórias e a maior parte do tratamento que se dá aos povos indígenas em geral: eles são minados, refinados, processados e depois vendidos a seis vezes o preço.

(tradução informal minha)


Preservar a riqueza e a diversidade natural e cultural não é importante só porque é bonito (e é muito!) mas, também porque é a diversidade que garante que a vida continue existindo. A Sementeira, através do Banco de histórias-sementes, quer conservar e tornar a diversidade das histórias orais disponíveis e acessíveis pra benefício de todes.


A gente tá começando hoje, em junho de 2022 com o sonho de poder guardar e distribuír histórias do mundo todo, em muitas línguas, por isso, aceitamos e pedimos doações de histórias-sementes. Aqui você pode saber como doar.


A gente pode congelar, mas o melhor jeito de guardar as sementes é na terra: plantando.

A gente pode escrever ou gravar, mas o melhor jeito de guardar as histórias é nas bocas, nos ouvidos e nos corações: contando.


O Banco de histórias-sementes deseja contribuir pra que elas sejam preservadas, multiplicadas, compartilhadas e, principalmente, contadas pra que possam continuar existindo e, com elas. a gente também.


o que estamos chamando de histórias-sementes?


“O agricultor enterra a semente no chão com a intenção de colher frutos, flores, legumes ou fazer sombra ou embelezar um jardim. Da mesma forma, o contador de histórias planta, na “terra do coração” de seu público, a semente da palavra que trará alegria, espanto, coragem, fé, reflexão… “ Gislayne Matos

Assim como o agricultor precisa conhecer as sementes e as escolher bem pra que elas tenham mais chances de germinar, quem conta histórias precisa conhecer as palavras pra saber quais e como incluí-las em seu conto. De acordo com a intenção de quem semeia, as histórias podem evocar mudanças e dar muitos frutos em quem conta e quem escuta.


É pra gente lembrar dessa relação entre as histórias, as sementes e a vida que criamos a metáfora das histórias-sementes.


Hoje muito se fala em histórias, narrativas, storytelling, mas o que não se fala é que a intenção com a qual se conta uma história faz toda a diferença, por isso, optamos por histórias registradas oralmente porque assim, com elas vem a voz, a respiração e a intenção de quem conta. Quando uma narrativa é contada pra manipular, restringir, oprimir, controlar as pessoas e, portanto, a vida mesma, essa narrativa se torna uma contra-história ou uma anti-história. As histórias-sementes são vivas e estão sempre sempre a serviço da vida.


o que sonhamos construir


hoje, o Banco de histórias-sementes existe apenas on-line, mas o sonho é de um dia ele existir também num pedaço de terra cercado por floresta e com água que brota do chão. nesse lugar, nosso Banco de histórias-sementes vai ser construído de terra e com as nossas mãos. lá, vamos guardar e compartilhar não apenas histórias-sementes, mas também sementes-histórias : )


lá vamos plantar frutas, flores, árvores e palavras e vai ser uma terra livre, aberta pra quem quiser vir e estar conosco. juntes, vamos cuidar pra que esses tesouros sigam passando de mão em mão até que nós humanes estejamos curados e a Vida não esteja mais em risco.


se você quiser apoiar esse sonho, saiba como fazer isso aqui.


... vou dando notícias desse sonho...


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Referências


documentário "Semente"

https://www.youtube.com/watch?v=J7o_4tc2i1g


animação "Quando morre uma língua" (narrado em Nahuatl)

https://www.youtube.com/watch?v=w3BpWxjLr2w


documentário "Biology of story" (infelizmente, só em inglês e sem legendas)

biologyofstory.com

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